sexta-feira, 20 de maio de 2011

REITOR VAI COBRAR AÇÕES DA POLÍCIA


Após assassinato, reitor vai cobrar mais polícia na USP - CRISTINA MORENO DE CASTRO, DE SÃO PAULO -FOLHA ONLINE 20/05/2011

A morte do estudante Felipe Ramos de Paiva, 24, assassinado a tiros em um estacionamento na USP, na noite de quarta-feira, é uma chance de discutir a maior presença da Polícia Militar no campus, na opinião do reitor da universidade, João Grandino Rodas.

Para os alunos, a questão é controversa --o Diretório Central dos Estudantes, por exemplo, é contra. Em carta à reitoria, estudantes da FEA (unidade em que Felipe estudava) alegam que a perda do colega "escancara" a necessidade de discutir o problema da insegurança dentro da Cidade Universitária, mas não pedem maior presença da PM.

Leia a íntegra da entrevista com o reitor da USP, João Grandino Rodas:

Folha - O que foi decidido pelo Conselho Gestor no Plano Emergencial de Segurança da USP, feito em 3 de maio, e o que se pensa em mudar agora?

João Grandino Rodas - Esse conselho do campus é um colegiado representativo de professores, funcionários e alunos, independente da reitoria. Pode falar em nome da comunidade mais do que uma pessoa física como eu. A problemática da segurança no campus é antiga, muito embora possa se dizer, principalmente com o evento de ontem, que a coisa culminou em algo mais grave do que tinha acontecido antes. Há três semanas eles se reuniram e fizeram propostas. Por exemplo, que todos os campi providenciassem planos de segurança. Isso são planos que podem funcionar em médio prazo.

Nossa polícia universitária é patrimonial e desarmada. Não adianta aumentar seu efetivo porque ela não é armada e não causa dissuasão em ninguém, principalmente em bandido. Sobrou um grande ranço e daí há aquela ideia de que o campus é um território livre e a polícia militar não entra. A rigor, ninguém pode impedir que ela entre, mesmo porque está na Constituição. Mas o fato de existir essa ideia faz com que o campus se transforme num lugar muito fácil para a bandidagem.

Porque, em primeiro lugar, durante o dia, qualquer pessoa entra lá pelas portas oficiais. E nós sabemos que o campus não é totalmente blindado, é uma fronteira porosa. Entram-se por outros lados. Se a gente junta o fato de o campus ser enorme, com 400 mil metros quadrados, de que praticamente não há limitação de entrada, e que a polícia não faz nem as blitze preventivas porque a comunidade não acha de bom alvitre, temos um lugar perfeito pro crime de todos os naipes.

Estamos vendo crimes violentos e graves hoje, mas temos muitos outros. Temos uma comunidade de mais de mil alunos menores de idade. E temos pessoas muito jovens, que, de repente, saem de lugares mais protegidos e são lançadas num lugar sui generis da capital do Estado.

Não se pode mais ficar discutindo segurança como se discute o sexo dos anjos. É necessário que o conselho dê embasamento sólido para a tomada de providências _que podem até desgostar alguma minoria, mas que deem segurança à maioria. Considerava quando tomei posse e continuo considerando a cidade universitária como terra de ninguém.

Sobre a questão de iluminação, já existe uma licitação feita, que vai iluminar todos os 400 mil metros de uma forma totalmente moderna, mas vai estar pronta em um ano. Não podemos esperar um ano. Não podemos imaginar que bandidos vão se amedrontar com um guarda que não é armado absolutamente, e num lugar onde não há nem sequer as blitze da polícia.

Não cabe a uma pessoa da USP, nem mesmo o reitor, assumir posições heroicas, que depois serão contestadas por grupos pequenos e não serão apoiadas pela maioria dormente, que vai deixar a situação pior do que está. Se não houver uma vontade da própria comunidade da USP ou da comunidade paulista em dar um respaldo mínimo para que aconteça lá dentro o mesmo que pode acontecer em qualquer outro lugar ou seja, blitze normais da única corporação que, pela constituição, tem o poder de polícia para fazê-lo, vai ficar como está ou piorar muito a situação.

A maioria da comunidade da USP não aceita, mas não abre o bico. Se alguém toma alguma providência, não apoia. E aí, 40 ou 50 fazem as manchetes do jornal.

Se a gente não conseguir tirar esse aspecto positivo da tragédia que ocorreu, vamos continuar piores do que estamos.

Mas o que definiram exatamente no plano emergencial de 3 de maio?

Recomendações, como por exemplo: novas reuniões em outros campi para que fizessem programas [de segurança]. São coisas importantes, mas não respondem à questão crítica que se foi demonstrada ontem. Pode aumentar o efetivo da guarda universitária, mas nunca vai ter o poder de polícia nem o poder dissuasório com referência a malfeitores, porque não é nem armada. Precisaria uma posição mais clara. Claro que ninguém está forçando essa posição, mas se não for tomada, vamos ficar exatamente do jeito que está. Porque eu pessoalmente não tenho competência para isso e mesmo que me arrogasse a tomar uma posição, ela vai ser inócua sem o apoio da comunidade. Não tocam nessa questão do poder de polícia de maneira nenhuma.

Até o crime de quarta, as recomendações eram apenas quanto à iluminação e aumento do efetivo da guarda?

Coisas desse sentido. De fazer um plano... Isso tudo é importante, mas a questão de segurança é um conjunto.

A ideia é que amanhã [hoje] tomem medidas mais concretas?

Medidas emergenciais. Aquelas todas são boas, mas não emergenciais. Se a comunidade não se pronunciar a favor, não vai ser o reitor que vai dar uma de Dom Quixote e ficar lutando contra moinho de vento.

Depende apenas do Conselho Gestor essa decisão sobre aumento do policiamento militar?

Se essa comissão, que é representativa, disser que é importante que se façam dentro da Cidade Universitária, de forma regular... O que a gente diz é pura e simplesmente o poder de polícia normal, preventivo, ninguém está falando em impedir estudante de fazer demonstração. Se não se fizer isso, face a esse momento no mundo todo de aumento de criminalidade... É claro que a criminalidade procura os lugares mais fáceis. E hoje está sendo extremissimamente fácil fazer crime dentro da Cidade Universitária, pela inércia de todos nós dentro da cidade.

Mas a comissão tem poder pra definir isso?

É só dizer que a USP reconhece a necessidade daquela atitude constitucional. Não vai autorizar ninguém, a constituição já autoriza. Mas esse estado de coisas faz com que não exista praticamente [policiamento]. Aquilo acaba sendo um santuário de bandido.

E qual o procedimento depois da decisão, caso definam a questão da PM?

Aí simplesmente o reitor, representando a universidade, oficia o secretário de segurança, dizendo que a universidade, com apoio comunitário, solicita que, da mesma forma como fazem em outros lugares, passem a fazer blitze preventivas de segurança, e nada mais do que isso, com referência à cidade universitária, uma vez que tem acontecido tais e tais coisas noticiadas. Precisa ter um tratamento de choque neste momento.

Não existem essas blitze hoje por causa da resistência da comunidade acadêmica ou por uma falha da SSP?

São grupos pequenos de resistência, mas muito efetivos. Aparecem na mídia, fazem cartazes e são barulhentos. Claro que não retiram o direito que a Constituição dá [à PM], mas desestimulam impressionantemente. Quem tem maior culpa nisso? Tem mais a própria universidade, que mostra, por razões históricas absolutamente ultrapassadas... Naquela época era uma ditadura, são outros tempos. Se é um lugar em que existe, por parte de pequenos grupos, um enfrentamento, xingamento, e outras coisas desse gênero, que já se assistiu no passado, como cuspir nos policiais... Se houver uma expressão da comunidade, esses grupos vão ficar limitados. Mas se a maioria não faz nada, você acha que a polícia vai entrar lá pra ser chutada, pra ser cuspida?

O sr. recebeu as reivindicações do Centro Acadêmico da FEA?

Resumidamente, são cartas muito bem feitas, eles fizeram uma reunião com vários acadêmicos. Mas em nenhum momento e é o Centro Acadêmico do rapaz que morreu se fala dessa questão que estamos tocando [da polícia]. Nada.

O que mais poderia ser feito já, além da PM?

A polícia preventiva poderia se articular com a nossa polícia. Isso é uma das coisas que se pode fazer. Iluminação é uma coisa que estará pronta daqui a um ano, porque é mudança completa de tudo o que existe.

E controle das entradas, é discutido?

É outra coisa que, se for colocada, vai haver uma grita absoluta. Mais até do que a questão de blitze policial. Não temos nenhum controle. Só à noite. E nós temos fronteiras porosas lá dentro. Não adianta bloquear aqueles três portões oficiais.

E existem as portas de acesso a pedestre que nem têm controle à noite, né?

Tem, várias. Veja que o próprio Centro Acadêmico não tocou no assunto, e o colega deles é que morreu. Essa carta vai ser levada ao conselho, mas eles já não disseram nada. Isso mostra bem a impossibilidade de uma pessoa, no caso o reitor, tomar qualquer providência.

Nas reuniões que fizeram ontem eles tocaram nesse assunto [da Polícia Militar].

Na carta não saiu nada. Puseram só coisas consensuais. Mas se ficar no consensual, vai morrer mais gente com consenso ou sem. Qual a outra solução? Se a Constituição diz que a única que tem poder de polícia é a PM e nenhum outro tem, vamos esperar um ano para ficar com o campus iluminado? Quantas pessoas vão morrer? Eles falaram, falaram, falaram, se reuniram com 300, e não tocam nesse assunto.

Houve aumento de sequestros e crime neste ano, né?

Não tenha dúvida. Onde o bandido vai? Vai no lugar onde tem menos risco. E hoje o risco dentro da Cidade Universitária é baixíssimo porque a probabilidade de encontrar a polícia é zero, ou quase zero _e não culpo a polícia de maneira nenhuma, por aquelas questões. Depois de um evento desses, o CA se reúne e faz toda uma arenga e não coloca nada sobre isso... Mostra a dificuldade que a comunidade tem. E é por isso que a própria Comissão, que vem há anos e anos se reunindo, fica aquela conversa, mas não toca o ponto concreto. O que que se pode fazer de tratamento drástico nesse momento com referência a isso? Ninguém toca. É um tabu.

Desde abril a PM tem feito mais blitze...

Nós não temos nenhuma ligação com isso, não tenho nenhuma informação a respeito dessas questões. Poder fazer ela pode. Mas existe esse afastamento [entre] universidade e policiamento preventivo. Se num momento gravíssimo como esse todo mundo faz de conta que aquilo não existe, imagina num momento comum?

Mas eu queria saber por que têm feito desde abril e mesmo assim...

Precisa ver se fazem em número suficiente, ou se é mera passagem. A Cidade Universitária é usada como passagem para cortar caminho, é usada para estacionar ônibus fretados, estacionar caminhões. E vai ficar muito pior agora que será vizinha do metrô. Vai aumentar o número de pessoas e obviamente vai aumentar também o número de ocorrências, principalmente num lugar em que, mesmo acontecendo tudo isso, a comunidade faz de conta que não vê.

Nenhum comentário:

Postar um comentário