terça-feira, 20 de maio de 2014

MOVIMENTOS QUE AGITAM A UFRGS


ZERO HORA 20 de maio de 2014 | N° 17802

CARLOS ROLLSING

EDUCAÇÃO PROTESTOS NO CAMPUS

EM EXPANSÃO nos últimos anos, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul passa por momento de turbulência. Estudantes e servidores técnicos promovem manifestações. Reitor reconhece problemas, mas aponta avanços



Prestes a se tornar octogenária, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) enfrenta um período de turbulência no seu cotidiano, alterado por três movimentos reivindicatórios simultâneos. Insatisfações geraram duas ocupações de alunos e uma greve de servidores técnicos prejudica ou paralisa setores como biblioteca, laboratórios, secretarias e almoxarifados.

Embora apresentem pautas convergentes, os atos não têm conexões diretas. Os grupos que lideram as manifestações são distintos, abarcando diferentes alas da política estudantil e sindical.

Das mobilizações em curso, a greve dos técnicos, vinculados à Associação dos Servidores da UFRGS (Assufrgs), promoveu ontem um “trancaço” na Reitoria. Por horas, ninguém entrou ou saiu dos prédios localizados na Rua Paulo Gama.

A iniciativa foi determinada pelo comando nacional de greve – que se reuniria ontem à noite com integrantes dos ministérios do Planejamento e da Educação – como forma de pressionar pelo cumprimento das reivindicações, sobretudo o reajuste salarial.

Na Reitoria, também estão acampados estudantes de agremiações mais radicais da esquerda estudantil. Aproveitando o aniversário de 80 anos da universidade, eles argumentam que o cotidiano da UFRGS não tem a qualidade apresentada na campanha publicitária. Pedem melhoria em infraestrutura, qualidade do ensino, reajuste nas bolsas e mais segurança.

A terceira frente é formada por alunos que exigem a regulamentação da contratação de professores do Direito. O estopim para a crise foi a reprovação de um candidato em uma banca, em dezembro. Na visão dos estudantes, ele teria sido deliberadamente prejudicado.

DCE ESTÁ FORA DA MOBILIZAÇÃO

Na origem da crise, está o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), que vigora desde 2008 e permitiu a ampliação do mundo universitário. Os críticos dizem que as mudanças foram realizadas com estrutura e procedimentos administrativos obsoletos.

– A universidade cresceu muito, e as estruturas são antigas – diz Berna Menezes, coordenadora-geral da Assufrgs.

O comando do Diretório Central dos Estudantes (DCE), que venceu a esquerda estudantil na última eleição, com um perfil mais moderado, não está envolvido em nenhum dos três movimentos.

– Entendemos que algumas pautas são muito legítimas. A UFRGS acabou de fazer um vídeo institucional lindíssimo, mas quem vê por dentro percebe que não é o que enfrentamos no dia a dia. Às vezes, falta papel higiênico – diz Lucas Jones, presidente do DCE.


Seleção de professor em xeque

Com a expansão da universidade nos últimos anos, mais professores passaram a ser contratados. Ao mesmo tempo, cresceram os questionamentos quanto à forma de seleção dos mestres.

A crise estourou com a realização de uma banca em dezembro. O professor Salo de Carvalho acabou reprovado em razão de notas muito baixas atribuídas a ele pelo examinador Odone Sanguiné, docente da UFRGS. Outros dois avaliadores, ambos de fora da universidade, concederam a Salo notas mais altas e revelaram pressões internas para reprová-lo por suposta ausência de “perfil adequado”.

Agora o movimento reivindica a regulamentação dos concursos públicos para a contratação de professores e a anulação da banca realizada em dezembro de 2013.

A ocupação é liderada pelo Centro Acadêmico André da Rocha, presidido por Gabriela Armani, de 19 anos, aluna do 4º semestre do Direito. Ela não tem vínculo partidário e é iniciante no movimento estudantil. Na mobilização, há militantes de siglas como o PSOL. Ainda em dezembro, o PSTU denunciou suposta “armação” contra Salo, que acabou aprovado em seleção na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).


Alunos apontam carências

O Ocupa Reitoria teve início em 14 de maio, e os acampados criticam a precarização da universidade, citando dificuldades estruturais no restaurante universitário, na casa do estudante, nas salas de aula e em outros espaços. Expõem problemas que vão desde a iluminação dos campi até a falta de segurança. O discurso contrapõe a campanha em que a UFRGS comemora “80 anos de excelência”.

A iniciativa causou um racha na esquerda estudantil. Em recente assembleia, a maioria dos votantes, entre eles militantes de PSTU e PSOL, decidiu não fazer a ocupação. O argumento era de que seria preciso iniciar um movimento de conscientização e de busca de apoio na base de estudantes. À revelia da assembleia, integrantes de coletivos anarquistas decidiram insistir na ocupação.

A UNIVERSIDADE EM NÚMEROS

A UFRGS tem cerca de 36 mil alunos matriculados nos cursos presenciais de graduação e pós-graduação. São 2,6 mil servidores técnicos e 2,5 mil professores.

Desde 2008, quando foi implantado o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão de Universidades Federais (Reuni), com incentivo para aumento de vagas e abertura de novos cursos, a graduação da UFRGS registrou crescimento de 22%. Na pós-graduação, a ampliação foi de 30%.

O crescimento pode ser percebido nos números do curso de Direito, onde há reivindicações por regulamentação dos critérios para a contratação de professores por concurso. Nos últimos anos, o número de vagas oferecidas no Direito passou de 140 para 350.

Fundada em 1934, a UFRGS completará 80 anos no dia 13 de novembro de 2014. Neste ano, a universidade tem um orçamento de R$ 1,5 bilhão. A maior parte é usada no pagamento de folha de pessoal.


Entrevista com CARLOS ALEXANDRE NETTO, Reitor da UFRGS

“Temos um passivo grande”

Embora reconheça as demandas dos manifestantes, Carlos Alexandre Netto ressalta que a universidade é a melhor avaliada do Brasil pelo Ministério da Educação. O reitor destaca a inauguração de um novo restaurante universitário no segundo semestre e, no futuro, a construção de mais uma casa do estudante.

Por que movimentos reivindicatórios se multiplicam no ano em que a universidade completa 80 anos?

A universidade não é uma bolha. Ela reflete a sociedade. Os movimentos reivindicatórios que vemos nas ruas também estão aqui dentro.

Muitas reclamações estão relacionadas à infraestrutura. Há problemas nos restaurantes, casa do estudante e outros locais. Como o senhor avalia?

A universidade cresceu bastante em número de alunos, mas melhorou a infraestrutura. Temos prédios novos, melhores instalações, mas temos também um passivo muito grande. No passado, a universidade não tinha recursos para investir em infraestrutura. Hoje, estamos tendo de recuperar prédios defasados e, ao mesmo tempo, construir novos espaços. Nossa opção política é por fazer, sim, a expansão da universidade porque amplia a inclusão e, simultaneamente, melhorar a infraestrutura. Jamais esperaríamos melhorar a infraestrutura para depois fazer a expansão.

Mas existe déficit?

Com certeza, mas hoje já é muito menor do que há 10 anos.

Há possibilidade de anulação do concurso que culminou com a reprovação do professor Salo de Carvalho?

Os concursos são regulados por lei. Baseadas na lei, as universidades têm normativas. Temos uma normativa atual. Desde 2008, fizemos cerca de 500 concursos docentes, contratamos 750 pessoas. Menos de 0,1% desses concursos tiveram recursos administrativos pedindo anulação. Esse concurso do Direito foi homologado pela câmara de graduação. A análise é de que foi bem realizado, sem vício. Houve apresentação de dois recursos de nulidade, que devem ser apreciados na quarta-feira.

E poderá haver anulação?

Sim, claro que pode.

Como avalia as ocupações realizadas até agora?

Temos boa compreensão das demandas, mas não concordamos com a forma de apresentação. Ocupações e fechamento de portões não contribuem com as causas, isso gera distúrbio para a vida funcional da universidade. Somos abertos ao diálogo franco, mas também há muitas reivindicações que não são da competência da universidade, como aumento de bolsas e salários.

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